Jaime Gama critica "impasse" nas revisões constitucionais
"O que temos verificado é que, infelizmente, se as matérias constitucionais são perspetivadas no auge de uma grande tensão política, elas acabam por ser sempre sumarizadas em posições antagónicas rudimentares. E depois acabam por evoluir para uma situação de bloqueio e neutralização recíproca em que nada evolui", afirmou o também antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, durante a apresentação da obra "25 anos da Constituição de 1976", no Tribunal Constitucional, em Lisboa.
Depois de destacar o "mérito e a vantagem do consenso" em torno da Constituição de 1976, e das revisões que se lhe seguiram, Jaime Gama considerou que, "nos últimos anos", tem havido "um certo impasse em matéria de revisões constitucionais".
"Temos assistido a um debate constitucional muito organizado para ganhar batalhas no terreno da confrontação política e não tanto com o objetivo de incorporar um desígnio de reforma e transformação das instituições. E é pena", acrescentou.
Um exemplo desses impasses verifica-se, segundo Gama, em matéria eleitoral: "Aquilo que está estabelecido no consenso institucional de uma revisão", os círculos uninominais, "nunca foi materializado numa legislação eleitoral correspondente".
"Também influi" nesta questão, acrescentou, o comportamento dos dois maiores partidos políticos, os únicos que "têm a chave para se entenderem em matéria de revisão constitucional", mas que optam pelo confronto e pela competição, produzindo "projetos e contraprojetos" de revisão que sabem que "o competidor pode rejeitar".
Jaime Gama considerou ainda que, por outro lado, no debate constitucional "se tem paulatinamente procedido a um apagamento" daquilo que é "o essencial da organização do sistema político" (questões eleitorais, do poder executivo, do papel mediador do Presidente da República).
"Todas essas matérias tendem um pouco a ser subalternizadas em relação a outras que podem ter mais apetência no imediato mas que não são tão substantivas em relação à arquitetura das instituições", defendendo uma reflexão, por exemplo, às competências legislativas exclusivas da Assembleia da República ou à articulação com o direito comunitário.
No final da apresentação, o constitucionalista Jorge Miranda disse aos jornalistas que não considera que exista "um impasse" relativamente à questão da revisão constitucional, destacando que "a última revisão grande foi em 1997, já passaram 15 anos e o funcionamento das instituições continua a dar-se normalmente e o debate constitucional até serenou bastante".
Jorge Miranda rejeitou ainda que haja necessidade neste momento de uma revisão constitucional, acrescentando que num momento de crise como aquela que o país vive, "lançar ou relançar o debate da revisão constitucional seria quase um atentado contra bom senso".
Para Jorge Miranda, mais importante do que uma revisão constitucional é fazer outras reformas, dizendo concordar, por exemplo, com a possibilidade de serem revistos os prazos de prescrição de crimes e de condenados em primeira instância irem de imediato para a prisão, mesmo que decidam recorrer aos tribunais superiores, numa referência a mudanças no código penal que o Governo pretende introduzir, hoje reveladas pela imprensa.